Relendo um artigo do meu amigo e ex-professor Rosemiro Pereira Leal, me pus a refletir sobre questões de nossa história recente que envolvem o Judiciário brasileiro, desde os alegados excessos no julgamento do mensalão, passando pela operação Lava Jato, até polêmicas atuações de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal.
O jurista norte-americano Ronald Myles Dworkin idealizou a imagem metafórica de um “juiz Hércules” para servir de parâmetro aos juízes dos EUA, especialmente quando enfrentam um “hard-case”.
Hércules é o nome dado pelos antigos romanos ao herói da mitologia grega Héracles, filho de Zeus (Júpiter para os romanos) e da mortal Alcmena.
Nessa concepção imaginária, o dever do juiz não seria somente decidir conforme a lei, mas escolher subjetivamente a “melhor solução”, aquela cujos efeitos sejam os “mais corretos”. Tal exagero talvez se justifique pelo fato de que, na América do Norte, os juízes são eleitos, e não nomeados por critérios técnicos objetivos, como no Brasil.
Nesse nebuloso horizonte, o Estado democrático seria um mero pano de fundo a emoldurar a atuação heroica de um juiz mítico que “fala em nome da nação”.
Na interpretação de Dworkin (talvez justificável no modelo judicial norte-americano, mas não no brasileiro), a única resposta correta aos “hard-cases” exigiria do juiz um tamanho grau de clarividência que lhe permitiria captar o sentimento (ou clamor) popular de justiça e equidade.
Resta saber se Dworkin distinguiu ou não direito e moral (que no modelo judicial brasileiro não se podem confundir). O jurista alemão Robert Alexy entende que não.
Ao escrever “o juiz hercúleo e a letalidade do Estado dogmático”, Rosemiro observou que, nessa idealização metafórica de Dworkin, o direito se reduz a mero instrumento do juiz para externar, de forma transcendental, a suposta “vontade da sociedade”, compativelmente, ou não, com as leis e a Constituição.
É o que mais se tem presenciado nos últimos anos. Imbuídos de uma hipotética ética social de justiça e combate à impunidade, alguns juízes se distanciam dos comandos da lei, da Constituição e do devido processo legal, sendo irracionalmente aclamados como super-heróis por parte da sociedade. O Judiciário é o lugar dos grandes homens e mulheres do direito brasileiro, não de ativistas, super-heróis e semideuses.
Nossa jovem democracia precisa, acima de tudo, de respeito à Constituição e às instituições. Deixemos, pois, o heroísmo e a mitologia para a ficção.
Lucas Neves é advogado especialista em direito público e professor