Alguns pacientes de hemodiálise da Fundação Hospitalar São Francisco de Assis, no bairro Concórdia, em Belo Horizonte, têm a oportunidade de concluir o Ensino Fundamental. Idealizado há cinco anos atrás, o projeto Linhas que Dão Vida está em andamento desde fevereiro deste ano e já tem 75 pacientes da unidade fazendo aulas do Ensino de Jovens e Adultos (EJA). As aulas e os materiais são gratuitos.
Em meados de 2019, a superintendente do hospital, Adriana Melo, identificou que alguns dos 420 pacientes estavam em situação de analfabetismo ou semianalfabetismo e, por isso, tinham dificuldades para ler instruções médicas, assim como bulas e embalagens de medicamentos. A situação atrapalhava no tratamento, já que os assistidos ficavam sem entender as orientações dos profissionais. Foi a partir dessa percepção que a unidade pensou nas aulas como uma forma de mudar o quadro.
“Partiu de cuidar do próximo. Ver a necessidade do outro, ver o que a gente estava fazendo. Tudo que a gente passava de informação era escrito. Eram informações que ficavam vagas, sem ser entendidas”, explica Edson Machado, coordenador do setor de Hemodiáliose da Fundação Hospitalar São Francisco de Assis.
Conforme Edson, os pacientes são de condições sociais variadas, mas muitos deles não conseguiram concluir os estudos, por circunstâncias diferentes da vida. O profissional conta que um dos assistidos na unidade até ficou receoso de revelar que não sabia ler, o que dificultou a identificação do problema.
“Essa questão de eles não saberem ler e escrever muitas vezes traz vergonha. A faixa etária dos pacientes varia de 35 a 96 anos. O maior impacto é a vergonha de falar que não sabe ler ou escrever. Alguns nem conseguem fazer a assinatura do próprio nome. A gente passava as informações e ainda passava uma prova. Em momento algum eles falavam pra gente que não sabiam ler ou escrever”, relata.
A primeira tentativa de levar conhecimento aos pacientes foi por meio do setor de ensino da fundação, em parceria com a UFMG. Mas o projeto acabou não avançando. Em 2023, uma nova investida foi feita, dessa vez buscando a parceria com a prefeitura de Belo Horizonte.Em fevereiro deste ano, finalmente, o sonho saiu do papel.
As aulas são oferecidas de segunda a quinta-feira, sempre durante os tratamentos. Os pacientes realizam o tratamento em três turnos: de 7h às 11h, de 12h às 16h e de 17h às 21h. As aulas começam sempre uma hora após o início dos procedimentos.
Os professores, que são da rede municipal de educação de Belo Horizonte, vão até os alunos e os acompanham durante o tratamento, o que é uma forma de passar o tempo. “Quando você está distraído, fazendo algo de que gosta, você esquece o que está acontecendo. Alguns pacientes tinham intercorrência. Pelo fato de estarem aqui dia sim, dia não, enjoavam, pediam para sair mais cedo. Isso praticamente não existe mais”, diz Edson.
Segundo o gestor, a receptividade dos pacientes à iniciativa está alta. “Está sendo muito bacana. Eles estão adorando. Tem uma paciente que, quando a gente falou para ela sobre o projeto, ela até chorou. O mais legal é o feedback que eles dão pra gente”, comemora Edson Palhares, que revela planos para extender o projeto também para o Ensino Médio.
Recomeço
Aos 59 anos de idade, o pedreiro Matias Alves de Faria faz tratamento de hemodiálise há dois anos na Fundação Hospitalar São Francisco de Assis. Ele conta que estudou até a 6ª série do Ensino Fundamental, mas precisou interromper os estudos.
“Estudei até os 14 anos. Venho de uma família pobre. Devido a situação difícil economicamente, não só eu, mas também meus irmãos, tivemos que parar os estudos para ajudar a família”, relembra.
A vida, depois, até deu outras oportunidades para ele voltar aos estudos, mas ele preferiu seguir outros caminhos. Porém não quis deixar passar a nova chance que apareceu com o projeto.
“Nós ficamos quatro horas aqui. Ficamos inativos, sem fazer nada. De repente, para uma pessoa como eu, que parou de estudar ou nem começou, é uma ótima oportunidade para o aprendizado. A única coisa que não podem tirar da gente é o conhecimento. A gente tem que aproveitar”, aconselha o homem, que tem o sonho de se tornar arquiteto.
A aposentada Maria Marta Delfina Graveli, de 74 anos, nasceu em Rio Casca, Minas Gerais, e fez todo o estudo na cidade, mas o município não fornecia todas as séries. Ela foi para Belo Horizonte em 1969, já casada, e não conseguiu retomar os estudos. “Precisei cuidar da minha família, dos meus filhos. Não tive tempo”, relembra.
A mulher já tinha tido aulas pelo EJA durante o primeiro ano de tratamento, mas a ação foi interrompida pela pandemia de covid-19. Ela se emocionou quando ficou sabendo que poderia continuar com as aulas na Fundação Hospitalar São Francisco de Assis.
“Fiquei emocionada, porque comecei em 2020, mas não pude continuar. Quanto mais eu conheço, melhor eu posso conviver com as pessoas, conseguir tudo de que preciso”, afirma.