Marcus Pestana

Traduzindo o desafio fiscal em miúdos (I)

Gastos públicos e superávit primário

Por Marcus Pestana
Publicado em 27 de abril de 2024 | 07:00
 
 
 
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Toda categoria profissional ou área de conhecimento tem um linguajar próprio. É como se fosse uma barreira corporativa à interferência de “estranhos”. Um leigo no assunto que entrar numa conversa especializada entre advogados, médicos, físicos quânticos, chefs de cozinha ou treinadores de basquete certamente ficará boiando diante de tantos termos técnicos específicos. Com os economistas não é diferente.  

O economês, às vezes, é indecifrável para o cidadão médio não especialista, embora a economia seja parte inevitável do cotidiano das pessoas. Mas não é tão complicado para os economistas fazer um esforço de comunicação e facilitar a compreensão para leigos sobre fatos e fenômenos econômicos que, em muitos casos, são simples de entender. 

Traduzindo o economês

Agora, como dirigente da Instituição Fiscal Independente, tenho dado entrevistas, escrito textos e feito postagens mais carregadas no economês. Muitos amigos leigos me perguntam: “O que é superávit primário ou nominal?”. Qual a diferença entre juros reais e nominais? O que é déficit público? O que são PIB, Selic e IPCA? E por aí vai. 

O próprio presidente Lula, com sua habilidade política e retórica, ajuda a confundir um pouco as coisas, como no discurso da última segunda-feira (22/4). Vejamos o que falou nosso presidente: “Aqui no governo federal é muito desagradável, porque tudo que você faz é tratado como se fosse gasto. Isso inibe a gente. Porque a gente começa o nosso Orçamento pensando o que tem que deixar de reserva para pagar. A última coisa que a gente pensa é em investir... Educação, saúde e programas sociais para os mais pobres são considerados gastos, e a única coisa que parece investimento é o superávit primário”. 

Gasto é gasto

Ora, ora, ora, com diria o Conselheiro Acácio, gasto é gasto, investimento é investimento, receita é receita, despesa é despesa, superávit é superávit. Vamos lá. O governo existe para fazer coisas que as pessoas e a sociedade não conseguiriam sozinhas. Tudo isto tem um custo, portanto o governo precisa fazer gastos. Ele tem despesas.  

Para pagar os seus gastos, o governo precisa arrecadar impostos até o limite que a sociedade permitir. Os impostos, as contribuições, as taxas e outras formas de arrecadação de recursos, somados, compõem a receita pública que consta do Orçamento que é feito a cada ano. 

Três tipos de despesas

Do outro lado entram os gastos. Existem três tipos de despesas, mas todas, independentemente de sua qualidade e eficácia, são gastos (gasto é gasto): primeiro, custeio; segundo, investimento; e terceiro, despesas financeiras.  

No custeio entram salários, Previdência, aluguéis, medicamentos na saúde, eletricidade que ilumina as escolas, Bolsa Família, gasolina para as polícias Federal e Rodoviária, munição para as Forças Armadas, enfim, tudo que não é obra, equipamento e compra de ativos – investimentos – ou juros e amortizações e serviço da dívida – despesas financeiras

Superávit primário

Superávit primário não é nem uma coisa, nem outra, não é investimento, e Lula sabe disso. É quando as receitas são maiores do que as despesas de custeio e investimento, sem levar em conta as despesas financeiras. Quando essas são inclusas, determinam o superávit ou o déficit nominal. 

Qualquer trabalhador ou trabalhadora, chefe de família ou dona de casa sabe lidar com o orçamento familiar. O funcionamento do governo é semelhante. Voltaremos ao beabá das finanças públicas. 

(*) Marcus Pestana é diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) e ex-deputado federal 

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