Vittorio Medioli

Vittorio Medioli

Empresário e político de origem italiana e naturalizado brasileiro, Vittorio Medioli está em seu segundo mandato como Prefeito de Betim. É presidente do Grupo SADA, conglomerado que possui mais de 30 empresas que atuam em diversos segmentos da economia, como logística, indústria, comércio, geração de energia e biocombustíveis, além de silvicultura, esporte e terceiro setor. É graduado em Direito e Filosofia pela Universidade de Milão. Em sua coluna aborda temas diversos como economia, política, meio ambiente, filosofia e assuntos gerais.

OPINIÃO

O explosivo ICMS da educação

A lei mineira não se fez acompanhar de demonstrações confiáveis de impactos regionais e locais

Por Vittorio Medioli
Publicado em 12 de fevereiro de 2024 | 03:00
 
 
 
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O artigo 165 da Constituição Federal reserva aos Poderes executivos federal, estadual e municipal a iniciativa de proposições de lei que ordenam despesas orçamentárias e financeiras. Cabe aos Poderes legislativos a aprovação, com eventuais modificações, vetos e recursos ao Poder Judiciário quando for o caso. A proposição, como dispõe a Carta Magna, deverá ser “acompanhada de demonstrativo regionalizado do efeito sobre receitas e despesas de natureza financeira, tributária e creditícia”.

Disso não se escapa. Mas, em Minas Gerais, apesar de ter, inclusive, uma promotoria pública especializada em constitucionalidade, ninguém se apercebeu de que a iniciativa de propor (e de votar) a lei que regula a distribuição de recursos do Fundo Nacional de Educação Básica (Fundeb) partiu da Assembleia Legislativa, sem a completa observação da legislação.

A Assembleia, talvez pela omissão do Estado e na contramão de outras casas legislativas estaduais, usurpou o dever que, inicialmente, não lhe cabia, proporcionando um desastre no equilíbrio de contas em muitos municípios. Já o governo de Minas, beneficiado pela partilha que penalizou a maioria dos alunos do Estado, até agora tem lavado as mãos, mantendo-se inerte diante da sanção que validou o devaneio.

A lei mineira não se fez acompanhar de demonstrações confiáveis de impactos regionais e locais, pois foram apresentados apenas valores inconsistentes e possivelmente equivocados, que induziram deputados a votar a favor, pensando que estariam beneficiando suas bases. Levaram “gato por lebre”, e o primeiro repasse, já em janeiro, demonstra o contrário, pois as cidades desses parlamentares, incluindo seus redutos e categorias, estão pesadamente afetadas.

A mola do desastre se deu ao se retirar a proporcionalidade “por aluno” que rege constitucionalmente os repartes, substituindo-o com a fórmula “por município”, que só Minas Gerais adotou. Igualou-se o reparte dos 99 alunos de Serra da Saudade, município com 850 habitantes, aos 147 mil estudantes de Belo Horizonte, capital com mais de 2,35 milhões de habitantes. Deram à Serra da Saudade o montante de R$ 2,7 milhões anuais para dividir entre 99 alunos, enquanto BH recebeu R$ 2,3 milhões para atender 147 mil alunos.

Tem quem diga, sobretudo na Assembleia, que essa é uma espécie de lei Robin Hood. Um verdadeiro equívoco, pois essa lei, da qual fui pessoalmente idealizador, propondo à Câmara dos Deputados, mas considerando a alçada de cada governo de Estado, estabelecia critérios por habitante que, antes, não existia. Isso fez com que cada unidade dos municípios mais “pobres” recebesse valores que, além de mais justos, tornaram-se imprescindíveis. 

Na época da introdução dessa lei, o então governador do Estado, Eduardo Azeredo, ganhou, por isso, o prêmio Unicef nos Estados Unidos de melhor projeto social das Américas. A Assembleia, agora, depois de arrancar o conceito distributivo “por habitante” ou “por aluno”, fez Minas retroagir, em meu entendimento e no de outros especialistas, cerca de 30 anos.

O desastre está se materializando. No primeiro mês do ano, dois terços das comunidades escolares do Estado, formadas por alunos, famílias e profissionais da educação, terão que se distorcer para suportar os impactos de tantas perdas. Vale ressaltar que a nulidade dos critérios por números de alunos é “absurda” e acarretará a inevitável condenação no futuro, com efeito retroativo. Minas, assim, conseguirá mais algumas centenas de milhões de reais, a cada ano, para aumentar sua dívida gigantesca, que até hoje ficou em calote.

Argumenta-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) notificou o governo e a Assembleia, em 2023, para que dessem a Minas uma nova regulamentação dos critérios de educação. Porém, no texto de advertência do STF, não se enxerga a ordem de rasgar a Constituição nem de a Assembleia assumir para si o dever de “propor”, que é do Estado.

Um total de 19 dos 24 Estados brasileiros que já atenderam, dentro do prazo, a regulamentação dos 10% da educação, determinou que a parcela se desse dentro do 75% da cota de reparte do ICMS pertencente ao Estado, preservando os 25% dos municípios. Assim, a cota de 75% estadual se reduziu a 65%, e os 10% da educação já migraram, regulamentados, para os municípios e “por aluno”, ampliando a cota de reparte deles até 35%, como previsto no novo texto constitucional.

No artigo 212 da Constituição, se garante, em seu inciso X: “a organização dos fundos referidos atenderá a distribuição proporcional de seus recursos, as diferenças e as ponderações quanto ao valor anual por aluno”. Clara e incontestável a imposição do valor anual por aluno, e não poderia ser diferente por lógica, justiça e humanidade. 

Em Minas, ao contrário, o critério iguala um município de 34 alunos a outro, de 147 mil. A lei aprovada pela Assembleia faz emergir outra inconstitucionalidade, através do critério de “cidade acima de 50 mil habitantes”. Essa regra gera desproporções como um repasse de R$ 2.100 por aluno em algum município e de R$ 105 em outros.

É incrível como essas aberrações passam sem enrubescer quem as aprova, jogando debaixo do tapete passivos bilionários que deverão ser restituídos. Caso não se realize rapidamente um sábio acerto corretivo, sem precisar de judicializações, a situação, além de desconfortável, poderá se tornar explosiva.

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