Música

Silvia Machete estreia, em BH, show do recém-lançado álbum ‘Invisible Woman’

Cantora e compositora volta a encarnar a personagem Rhonda no segundo ato da trilogia iniciada em 2020, com parcerias em inglês feitas com Alberto Continentino

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 26 de abril de 2024 | 06:00
 
 
 
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Acredite se puder: a carioca Silvia Machete nasceu em Belo Horizonte, onde ela estreia seu novo espetáculo nesta sexta (26), e como revelou em uma postagem quase censurada no Instagram. Para evitar problemas, ela cobriu um dos mamilos com uma estrela, na foto em preto & branco em que aparece de corpete transparente, erguendo um objeto exótico, de conotação sadomasoquista, sobre a cabeça.

Como esclarece na legenda, Silvia veio ao mundo, mas nunca morou na capital mineira. A história pode ser mais escabrosa do que sugere, como num thriller policial ou nos filmes noir da década de 1940, com aquela atmosfera esfumaçada típica dos suspenses. Pois vamos ao fato.

Grávida de nove meses, a mãe pegou a estrada, de carro, com os familiares, a caminho de BH, onde um primo obstetra foi responsável pelo parto, no dia 27 de março de 1976. Dias depois, ainda um bebê recém-nascido, Silvia foi levada de volta ao Rio de Janeiro, permanecendo apenas alguns meses antes de se mudar para Buenos Aires.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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“Essa história me foi contada desde que eu era criança. Foram tempos bastante excitantes na vida do meu pai e da minha mãe, que eram jornalistas políticos, e, na época, ainda vivíamos sob aquela terrível ditadura militar”, recorda. O pai foi ser correspondente em países da América Latina, mas, na volta da Argentina, a separação já estava no horizonte do casal, e a mãe de Silvia embarcava em um novo casamento.

O próximo destino seria Nova York, nos Estados Unidos, quando a cantora tinha pouco mais de três anos. A “criança cosmopolita que cresceu dentro de um avião” seguiu na personalidade de Silvia, que, na maturidade, se estabeleceu em metrópoles como São Francisco e Paris, na França, onde começou a carreira como artista circense de rua.

Ainda na infância, ela batia ponto obrigatório durante as férias de julho na casa da bisavó, em Belo Horizonte, encontrando-se com a avó, tias e primas mineiras, rapidamente incorporando o “mineirês” ao seu vocabulário. “Fui muito paparicada por minha família mineira”, confessa. As andanças tornaram o inglês “uma segunda língua” para Silvia, razão pela qual todas as letras de “Invisible Woman” surgem nesse idioma.

Provocativa

O álbum é parte da trilogia iniciada em 2020, com “Rhonda”, e retoma a personagem dark incorporada por Silvia, que ela define como “uma cigana urbana do amor”, em contraposição à exuberância latina-tropical das maracas e bambolês que ela hasteou nos primeiros discos, com direito a pomba branca adornando os cabelos, como na capa do inaugural “Bomb of Love – Música Safada para Corações Românticos”, de 2006.

“Uma das delícias de estar no palco é brincar, inclusive podemos pensar na palavra ‘play’, em inglês, que significa ‘brincar’. Eu estou encarnando uma personagem e me comportando de uma forma que, talvez, não fosse aceita na nossa sociedade, é uma provocação…”, declara Silvia, sem esconder o jogo.

Ela exalta a “possibilidade de ser tantas mulheres ao mesmo tempo”. “É uma maravilha! A gente não é uma coisa só, e isso fica cada vez mais claro, queremos experimentar esse turbilhão de coisas que existem dentro da gente. Me vejo com muita coragem, e acredito que isso vem do amor pelo que faço, dessa criação artística”.

Aos 48 anos, Silvia garante que consegue se “enxergar muito bem, sem precisar do aval de ninguém”. “Ao mesmo tempo, continuo curiosa e aprendendo, só gosto de desafio, se for fácil não me interessa”, gargalha. Ironicamente, o título de seu lançamento pode ser traduzido como “mulher invisível”, aquela que não é vista, relegada ao esquecimento. A estratégia de Silvia é, justamente, propor essa reflexão, através de sua arte de entreter.

“É uma crítica, sim, mas sem pesar o assunto, porque trabalho de forma poética e é assim que levanto bandeira e faço minha revolução”, pondera Silvia. Dialogando com o movimento feminista contemporâneo e a luta contra “a cegueira do mundo em relação às mulheres, que, quando são notadas, é apenas como objeto sexual”, a cantora partiu da experiência para compor a balada que batiza o álbum.

“À medida que você vai envelhecendo, fica cada vez mais invisível, e eu passei por uma situação em que, mesmo as mulheres sendo as donas da cena, estando debaixo dos holofotes, as pessoas tinham dificuldade em enxergá-las”. Oferecendo sua música e sua palavra, Silvia elege uma arma diferente da masculina. “Não acho que devemos bater de frente, copiando os moldes dos homens e seus erros crassos, sou contra a guerra dos sexos”.

Chiquérrima

O aspecto visual sempre foi forte na obra de Silvia, e não é por acaso que, nas fotos de divulgação de “Invisible Woman”, ela exibe, despudoradamente, suas curvas, colocando em questão as próprias noções de erotismo e sensualidade. Sonoramente, ela considera esse segundo disco de Rhonda, “mais aberto, alegre, pop, menos escuro e denso”.

As parcerias com o baixista Alberto Continentino, no entanto, preservam a sofisticação do repertório. “São músicas elaboradas, difíceis de cantar, com arranjos e melodias belíssimas, ficou tudo chiquérrimo”, orgulha-se Silvia. As inspirações partem do dia a dia de uma vida romântica, que a artista amplifica “com uma lente poderosa, que é como funciona essa nossa cultura pop do exagero”, avaliza.

“Com um tanto de imaginação, vou me colocando nesses cenários cinematográficos, aumentando os sentimentos, colorindo a música para que ela seja de grande beleza”, complementa. A sintonia com Continentino, além da amizade, se vale do gosto de ambos por “músicas épicas de cinema e canções grandiosas”. “Somos dois românticos, na verdade, apaixonados por uma era de som setentista”, constata.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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O terceiro vértice desse triângulo é o produtor Dudinha Lima, outra peça fundamental para o processo. Se em “Rhonda”, Silvia interpretou “With No One Else Around”, de Tim Maia, aqui a concessão não autoral fica por conta de “Two Kites”, de Tom Jobim, dividida com Maria Luiza Jobim, filha do maestro, e cujo disco “Azul” foi dirigido por Silvia, no ano passado.

A canção foi testada primeiramente nos shows, onde as duas se encontraram. Logo, “esse flerte jobiniano” se confirmou entre as faixas de “Invisible Woman”. Silvia atesta que, além de Tim Maia e Tom Jobim, ela também escreve em inglês. “É uma piada que faço com a plateia, que entra na ficção dessa personagem que pode falar tudo o que quiser”, diverte-se.

Recentemente, ela participou, como mestre de cerimônias, de uma homenagem a Eduardo Dussek, no Rio de Janeiro. O músico, que lida com o Mal de Parkinson e tem se dedicado à pintura, preparando uma exposição, foi saudado por Silvia em “Dussek Veste Machete”, que ela pretende recolocar na praça. “O mundo dá voltas, são ciclos, vou investigando personagens e não deixo de amá-las nunca…”, diz.

Serviço.

O quê. Estreia de “Rhonda – The Invisible Woman”, com Silvia Machete

Quando. Nesta sexta (26), às 21h

Onde. Teatro Sesiminas (rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia)

Quanto. De R$40 (meia) a R$120 (inteira) pelo site www.sympla.com.br ou na bilheteria do teatro 

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