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Mulheres são maioria nas principais cidades de Minas

Quantidade de mulheres aptas a votar no Estado aumentou de 50,2% para 52% do eleitorado nesta edição

Por Cristiano Martins e Pedro Augusto Figueiredo
Publicado em 07 de setembro de 2020 | 03:01
 
 
 
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As mulheres serão as principais responsáveis por escolher os próximos vereadores e prefeitos nas maiores cidades de Minas Gerais. A parcela feminina é maioria no Estado e em todos os polos, incluindo os municípios com mais de 200 mil eleitores, nos quais poderá haver segundo turno (Belo Horizonte, Uberlândia, Contagem, Juiz de Fora, Montes Claros, Betim, Uberaba, Ribeirão das Neves e Governador Valadares).

A quantidade de mulheres aptas a votar em Minas aumentou de 50,2% para 52% do eleitorado nesta edição. A variação percentual parece pequena, mas reflete um acréscimo de 2,1 milhões de eleitoras ao longo dessas duas décadas e uma diferença atual de quase 700 mil votos a mais do que os homens.

 

 

Isso não significa, porém, que a predominância imponha uma agenda ou resulte num aumento da representação feminina nos cargos eletivos. Juiz de Fora, por exemplo, é a cidade com o maior percentual de eleitoras em todo o Estado (54,5%), mas teve apenas duas das 19 cadeiras ocupadas por vereadoras na Câmara Municipal após o último pleito.

Para a assistente social e psicóloga Waldea Couto, 53, servidora pública no município da Zona da Mata, o baixo número de eleitas está relacionado a uma questão histórica de exclusão das mulheres da política, mas também a impedimentos de ordem prática.

“A mulher vem lutando para ganhar esse espaço. Melhorou em relação ao que era, houve avanços, mas a mulher está muito preocupada com questões cotidianas. A mulher tem jornada dupla, tem casa, tem filho… Questões que tomam o tempo dela bem mais do que o dos homens”, opina Waldea, mãe de dois filhos adultos.

A maioria numérica no eleitorado também não significa que haja uma pauta única capaz de mobilizar as mulheres de uma mesma forma. Segundo Marta Mendes da Rocha, cientista política e professora da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), há uma disputa em torno dos interesses das mulheres e do espaço que elas ocupam na sociedade.

“É possível dizer que algumas questões afetam de maneira mais direta e, portanto, devem interessá-las, justamente porque são fonte de violência, injustiça e desigualdade”, avalia a especialista, destacando temas como creches e assistência aos idosos. “Na maior parte das famílias, a função de cuidar é das mulheres. São elas que cuidam do pai e da mãe na velhice, quem cuida mais dos filhos. Se preocupam porque experimentam isso na pele”, exemplifica.

A cientista política ressalta que, nos últimos anos, movimentos à direita do espectro político passaram a disputar alguns temas historicamente mais ligados à esquerda, como a violência contra a mulher. “É uma questão que eles têm tentado se apropriar, elaborando a partir de uma outra linguagem, mais associada a religião e princípios cristãos [...] A agenda feminina é diversificada, plural, e está sendo constantemente debatida e disputada”, conclui.


 

Para a estudante Thais Pereira, 23, o debate sobre a representação política das mulheres ainda é majoritariamente acadêmico. “É um tema ainda pouco acessível, que dialoga pouco com a população. Não sei se, por exemplo, no bairro da minha mãe, no Boa Vista, as mulheres de meia idade estão construindo essa discussão”, afirma a aluna de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Ela acredita que uma mudança no perfil dos candidatos eleitos poderia afetar diretamente as políticas públicas. “Como a gente tem homens, principalmente homens brancos (nos cargos eletivos), a forma como eles encaram a cidade é totalmente diferente do que quando você tem uma mulher negra, por exemplo”, opina a estudante.

O cientista político e professor do Ibmec Adriano Cerqueira aponta as consequências desses fenômenos nas campanhas eleitorais. “Se você tem uma pauta muito focada em assuntos de saúde, de terceira idade, assuntos ligados ao cuidado com as pessoas, isso tende a chamar mais atenção das mulheres do que dos homens”, explica Cerqueira, que é também coordenador do Instituto Giga de pesquisas eleitorais.

O especialista destaca que, em média, as mulheres são mais escolarizadas do que os homens e há uma correlação positiva entre o nível de ensino e uma atitude mais fiscalizadora do poder público. “Esse comportamento mais politizado se encontra mais nas mulheres do que nos homens, porque há mais mulheres instruídas”, explica.

Por outro lado, estudos mostram que o voto feminino tende a ser mais conservador que o masculino, segundo Robert Bonifácio, professor de Ciência Política na UFG (Universidade Federal de Goiás).

“Quando se pergunta, por exemplo, se a mulher tem menos capacidade para governar, a maior parte dos entrevistados que respondem que sim são mulheres. Além disso, elas tendem a preferir candidatos do status quo e de partidos mais bem estabelecidos. A concepção tradicional ainda é muito predominante. Como a mulher é o sexo dominado nesse sistema em geral, ela tende a reproduzir o argumento dominador”, explica Bonifácio.

 

 

Disputa nos municípios

Como as disputas deste ano são locais, há de se ressaltar a divisão praticamente igualitária em relação ao total de municípios em Minas, com o eleitorado feminino sendo maioria em 431 deles e minoria em outros 418 – quatro cidades (Arantina, Coronel Murta, Pavão e Senhora do Porto) têm exatamente o mesmo número de eleitores de cada gênero.

A maioria masculina, no entanto, é absolutamente restrita às cidades de pequeno porte, enquanto o eleitorado feminino é majoritário em todos os 71 municípios com mais de 50 mil habitantes. Na capital, por exemplo, as mulheres respondem por 54,4% dos títulos habilitados, superando os homens em mais de 173 mil votos.

Cabe ressaltar que a classificação de gênero em masculino ou feminino é autodeclaratória e inclui as pessoas transexuais, autorizadas desde 2018 pelo TSE a usar o nome social no título de eleitor. Em Minas Gerais, o número de documentos com a nova identificação aumentou de 647 para 1.001 nesse intervalo de dois anos. Já as pessoas que não informaram o gênero representam 0,043% do eleitorado (6.901).

 

Barreiras

Desde 2009, a legislação determina que no mínimo 30% das chapas sejam compostas por mulheres. Mais recentemente, em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que a mesma parcela do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário deve ser repassada às candidaturas femininas. E elas também ganharam direito à mesma proporção, no mínimo, do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão.

As eleições de 2018 foram as primeiras com as reservas simultâneas de 30% das vagas e dos recursos para as mulheres. Nas urnas, registrou-se um aumento de 52,6% no número de candidatas eleitas: de 190 para 290 em relação a 2014. Apesar disso, elas corresponderam a apenas 16,2% do total de candidatos eleitos.

Para Marta Mendes da Rocha, apesar dos avanços nas regras, há questões que ainda impedem o efetivo cumprimento da lei. “No caso das mulheres, a gente teve 13,5% de todos os eleitos para o cargo de vereador no Brasil em 2016, o que é muito pouco e mostra que a gente caminhou muito pouco no sentido de fomentar a participação das mulheres”, diz a cientista política da UFJF.

“E, apesar de existir uma reserva de recursos para as mulheres, a gente sabe que tem uma prática dentro dos partidos em que as mulheres recebem esse recurso, mas são obrigadas a compartilhar com outros candidatos homens do partido. É uma condição para ela concorrer. Se ela não faz isso, ela não concorre”, acrescenta.

A especialista destaca ainda a existência de candidaturas laranjas, que, apesar do registro eleitoral, não ocorrem na prática, tendo como função somente ajudar o partido a cumprir a cota obrigatória de 30% —  muitas candidatas terminaram as últimas eleições com apenas um voto ou até mesmo nenhum.

Além disso, como destaca Bonifácio, há ainda uma grande porcentagem de candidatas eleitas graças à ligação com outros políticos. “Temos, no momento, o Congresso Nacional com a maior quantidade de mulheres em toda a história. Mas é preciso separar o joio do trigo, porque muitas vezes você tem muitas deputadas lá dentro que carregam o sobrenome de um político tradicional. Filha, esposa, irmã de políticos tradicionais. Então, quanto isso representa uma renovação de fato? É difícil analisar isso pelo dado bruto", conclui.

 

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