'Carta para o futuro'

Aqui não se faz certo

O governo continua estimulando o consumo dos derivados de petróleo, com subsídios aos preços internos e expansão de sua oferta

Por Paulo Paiva
Publicado em 05 de janeiro de 2024 | 04:00
 
 
 
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Em agosto de 2019, um evento inusitado aconteceu na Islândia. Mais de cem pessoas subiram ao topo de um velho vulcão, coberto há mais de 700 anos por uma geleira glacial, para as cerimônias funerais da Okjökull, a geleira que, reduzida a uma fina camada de gelo, perdeu seu status de glaciar, e lá deixaram uma “Carta para o futuro” com os dizeres: “Nos próximos 200 anos, todos nossos glaciares deverão seguir o mesmo caminho. Este monumento é para reconhecer que sabemos o que está acontecendo e o que precisa ser feito. Somente tu saberás se fizemos o que deveria ter sido feito”.

O aquecimento global é causado pelo excesso de gases de efeito estufa na atmosfera. O Brasil é o sexto país entre os maiores emissores de CO2 – que sai da queima de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo, gás natural e turfa), queimadas e desmatamentos.

Para contribuir para o desaquecimento global, não bastam reuniões presidenciais, cartas de intenções e acordos protocolares. Por exemplo, no caso dos combustíveis fósseis, precisa-se de ações concretas para a transição energética, tanto do lado do consumo como da produção.

No final do ano passado, o vice-presidente e também ministro do MDIC divulgou o programa Mobilidade Verde e Inovação, visando estimular a transição no uso de combustíveis fósseis, por meio de incentivos tributários à indústria automobilística. A ausência da ministra do Meio Ambiente foi notada. Basicamente, uma atualização de programas anteriores (Inovar Auto, de 2012, e Rota 2030, de 2018), mantendo o objetivo de redução das emissões de carbono em 50% para 2030, contudo sem apresentar os resultados já alcançados ou as metas para sua aferição.

Outros dois programas são de atração de investimentos para estimular (i) a realocação de plantas industriais de outros países no Brasil, com subsídios, e (ii) investimentos em máquinas, equipamentos, operando como se fosse uma antecipação de receita futura da empresa, chamado de “depreciação acelerada”.

Por fim, para atender às montadoras, pune-se a importação de carros a motores elétricos, com mais impostos. Para reduzir a emissão de CO2, o correto seria taxar a circulação dos veículos movidos por energia fóssil, se nacional ou importado, para desestimular seu consumo.

Fica a certeza de que são mecanismos para manter protegido o setor automotivo nacional, com isenções tributárias e barreiras à importação de carros ambientalmente mais eficazes; um prêmio que a sociedade paga sem saber, iludida, desde a fase de industrialização via substituição de importações.

Ademais, pelo lado da produção, o governo continua estimulando o consumo dos derivados de petróleo, com subsídios aos preços internos e expansão de sua oferta. Transição, nem falar; só discutem dividendos.
Apenas 20 anos se passarão para saber que no Brasil não foi feita a coisa certa.

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