Representatividade

Lei ‘seletiva’ leva negros para a cadeia

É uma faceta extremamente negativa do preconceito institucionalizado, que faz todo mundo perder de alguma forma

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 04 de agosto de 2023 | 03:00
 
 
 
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Por que o racismo é tão cruel? Ao contrário do que algumas pessoas pensam, não é só por uma questão de necessidade de impor uma estética diferente da preconizada como a ideal. Já ouvi coisas como “achar branco mais bonito não é racismo”. Apesar de ser sim, uma vez que o padrão de beleza é construído, e uma das questões por trás disso é o racismo, muito longe de isso ser a principal questão, ao meu ver. O que mais incomoda é a discrepância de direitos e oportunidades. Pegando o recorte bem específico da Justiça: ser visto sempre como a errada, independentemente do cenário, força a população negra a ter medo e a se moldar para nunca errar porque o perdão é privilégio para poucos em um país racista. 

Ao longo da semana passada, fizemos a série de reportagens “O custo da injustiça”, em que contamos histórias de pessoas que foram presas indevidamente. Mostramos algumas justificativas para os erros e o alto preço pago pela sociedade. Ouvimos especialistas, inclusive juízes, que nos disseram, por exemplo, que o princípio da presunção da inocência não é uma máxima tão seguida assim. A lógica de que as pessoas são inocentes até que haja o julgamento é invertida muitas vezes. O resultado? Pessoas que são presas preventivamente, lotam presídios e já estão encarceradas é que precisam comprovar a não participação no crime de que são acusadas. Muitas delas, inclusive, mostram não serem culpadas. E é aqui que entra a “pegadinha”. Em um país racista, que coloca pessoas negras no banco de réus, boa parte dessas prisões indevidas tem como vítimas pessoas pretas. 

Óbvio que é impossível mapear a injustiça. Afinal, se soubéssemos todos os inocentes que estão presos, eles já estariam soltos. O que temos de materialidade são pesquisas pontuais com base nos casos comprovados. Um levantamento feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro mostrou que a maior parte dos casos de prisões equivocadas ocorridas por lá é de pessoas que se declaram negras. Alguns vão dizer que é coincidência. Eu chamo de racismo. 

É uma faceta extremamente negativa do preconceito institucionalizado, que faz todo mundo perder de alguma forma. Sim, ninguém ganha com uma sociedade que preconiza regras diferenciadas para uma camada da população. Nem mesmo os que são privilegiados por esse regime. Sabe o motivo? Desigualdade gera custo financeiro para o Estado (ou seja, para todos) e é motor para a violência. Quando uma pessoa é presa injustamente e depois não consegue emprego, ela se vê à margem, sem alternativa. 

E aí é reforçado o estigma de jovens que passam constantemente por humilhações e são apontados como criminosos, passam por batidas policiais violentas e experimentam o medo. Vivem uma vida de batalha, seguem as regras e, mesmo assim, precisam se blindar para não serem presos injustamente ou mortos por “bala perdida”. A juventude negra é a que mais sofre por mortes violentas no país. “Outra coincidência”, dirão alguns. Fato é que, quando pedimos prisão para racistas, não estamos preocupados apenas com estética e autoestima. Estamos falando sobre sobrevivência, espaço para ir e vir e garantia de gozo pleno de direitos constitucionais.

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