Representatividade

O lado esquecido da cidade é 'negro'

Racismo ambiental existe e eu vou te provar


Publicado em 01 de setembro de 2023 | 11:12
 
 
 
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Recentemente, a Prefeitura de Belém, no Pará, sancionou a Lei 9.914, que instituiu o Dia Municipal de Combate ao Racismo Ambiental e Defesa da Justiça Climática. Em um país em que uma parcela considerável da população não admite a existência de preconceito em uma teoria de um mundo de “paz e amor” total, talvez a medida não tenha sido compreendida por muitos. Racismo ambiental pode soar estranho. “Ambiente não tem cor”. Eu já ouvi pessoas falando isso. Não sei se você é uma das pessoas que pensam assim, mas, se for, te proponho um exercício simples: observe qual a predominância da cor da pele das pessoas que vivem na área mais nobre da sua cidade e das que residem nas regiões mais humildes. E aí, qual conclusão chegou? 

Caso esteja muito ocupado para se lembrar disso ou seja do tipo de pessoa que “vê seres humanos, e não cores”, vou te ajudar. Uma pesquisa da organização Teto Brasil mostrou que 70% dos moradores das favelas de São Paulo são negros. Ainda citando São Paulo, levantamento de pesquisadores da USP mostrou que a região metropolitana de lá tem uma divisão assim: pessoas brancas estão nas regiões centrais, principalmente em prédios, e as negras nas periferias. As poucas pessoas que estão na região central, conforme a pesquisa, estão em residências antigas, em pensões e ocupações. Nas periferias de Belo Horizonte, a situação não é diferente, assim como em todo o país. 

A explicação é simples e também pode ser embasada em estudos. O Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) apontou que 20% da população branca brasileira está abaixo da linha de pobreza, enquanto 43% da população negra está nessa situação. Quanto mais pobre é uma pessoa mais distante das áreas centrais ela tende a viver, em função do custo de moradia mais alto nessas regiões. 

Agora, vamos pensar juntos outro ponto: em quais áreas da cidade há, por exemplo, maior escassez de saneamento básico? No país, segundo o Instituto Trata Brasil, 35 milhões de pessoas não têm acesso aos serviços de água tratada, e metade da população não tem coleta de esgoto. O órgão aponta que a maior parte dos casos estão em periferias e estão ligados à falta de regularização fundiária. É importante lembrar que as residências em aglomerados estão em áreas não regularizadas pelas prefeituras e, por isso, são áreas estigmatizadas. Na prática, o que estamos dizendo é que há um grupo de pessoas que tem direitos básicos negados. E, como essas regiões são ocupadas por uma população mais pobre e negra, o que seria essa situação se não mais uma face do racismo? Será que se fossem regiões ocupadas por pessoas brancas elas continuariam sem estrutura?

Quem se lembra dos últimos períodos chuvosos que causaram destruição em locais centrais de Belo Horizonte? Ouvimos nas ruas pessoas impressionadas com a agilidade com que os danos foram resolvidos. Agora, se afaste um pouco mais e chegue em regiões onde são necessários dois ônibus para se chegar. Há impactos de alagamentos e desmoronamentos há incontáveis anos, ruas que nunca receberam asfalto. Então, quando ouvir o termo racismo religioso de novo, tente pensar nessas situações e entender que o fato de um problema não te alcançar não o torna menos importante. 

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