Representatividade

Quem é você nesta sociedade racista?

Que tipo de alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado seria você que passaria ileso a mensagens diretas e indiretas de preconceito?

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 14 de julho de 2023 | 03:00
 
 
 
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Quem é você em uma sociedade estruturalmente preconceituosa? Foi essa pergunta incômoda que eu fiz para quem esteve no 18° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Ao lado de Dorothy Turker, presidente da Associação Nacional de Jornalistas Negros nos Estados Unidos, Nicoly Ambrósio, jornalista com atuação na cobertura de povos originários, em uma mesa mediada por Thais Folego, da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), eu palestrei sobre como tem sido a busca por um jornalismo antirracista dentro das redações aqui, no país, e também na América do Norte. 

Apesar dessa contextualização enorme, meu objetivo nesta coluna não é resumir o que foi dito lá, mas aproveitar esse questionamento sobre quais os preconceitos que habitam em cada um de nós. Estamos cansados de ler dados que mostram a existência de oportunidades diferentes para quem é preto ou branco, hétero ou homossexual, homem ou mulher, e por aí vai.

A questão é que os dados já foram tão naturalizados quanto os próprios preconceitos. Nós nos acostumamos a ler essas informações e nos colocar em um pedestal do tipo: “Eu? Jamais tive preconceito”. Mas se engana quem pensa assim. E, apesar de o meu grande foco nesta coluna ser a questão racial, eu quero propor hoje um debate mais amplo. 

Vamos fazer um exercício simples de imaginação: como uma pessoa que recebe recados a vida toda de que determinado tom de pele é o mais bonito, que um traço é o padrão esperado de beleza, que a forma de amor correta é a x ou a y vai ser totalmente isento de preconceito? Que tipo de alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado seria você que passaria ileso a mensagens diretas e indiretas de preconceito? 

Primeiro, é importante entender que o preconceito não precisa se manifestar necessariamente com uma agressão. Não é porque você nunca xingou diretamente uma pessoa preta que você pode dizer que não é racista. A análise é mais profunda. Comece a observar qual o perfil de pessoas que você considera com “perfil de liderança”, por exemplo. Lembre-se do dia que você foi a uma festa e voltou dizendo que “só tinha gente feia”. Tente rememorar qual o perfil dessas pessoas. 

Sabe aquele dia em que você teve uma antipatia gratuita e comentou que “não foi com a cara de fulano”? Acredite em mim, isso nada mais é do que algum preconceito seu sendo ativado no limite mais alto. Sabe aquele pressuposto de que crescemos ouvindo que meninas não podem falar certas coisas, sentir outras ou agir de determinada maneira? Quando nos tornamos adultos, é quase automático o pensamento machista. 

Problematizar essas questões e nos aceitar como pessoas falhas em uma sociedade que nos molda para termos preconceitos é um passo muito importante para o nosso crescimento enquanto pessoas e sociedade. Só melhora quem entende que precisa mudar. Outro pensamento equivocado que eu vejo algumas pessoas terem é o de que uma crença limitante delas não reverbera na vida de ninguém.

A verdade é que todos nós um dia estamos no papel de decisão em alguma situação. E as visões equivocadas direcionam as medidas que vamos tomar. Eu sei que nem todos vão se tornar lideranças em empresas e ter que lidar com contratações ou promoções com base em filtros mentais equivocados. Mas eu me refiro aqui a questões mais cotidianas mesmo, como as escolhas do fornecedor de determinado produto, dos amiguinhos do seu filho que você vai convidar para a festa do aniversário dele. Quem você deixa fora? Qual o critério de seleção?

Percebe que é muito necessário começarmos a nos questionar sobre esses aspectos para evoluirmos e criarmos crianças melhores do que fomos? Até porque o homofóbico convicto pode ser vítima de gordofobia, e o gordofóbico, de racismo. Todos nós temos algum ponto de não pertencimento que abre brecha para exclusão. Obviamente alguns sofrem mais por se encaixarem em grupos mais vitimados de preconceitos do que outros. O racismo e a homofobia são situações que levam a assassinatos, por exemplo. A mudança social está nas nossas mãos, e a hora é agora. 

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