CELEBRAÇÃO

Trinta anos de uma revolução: o impacto de "Pulp Fiction" na indústria do cinema

Filme de Quentin Tarantino mistura violência e humor numa história protagonizada por John Travolta e Bruce Willis

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 05 de junho de 2024 | 06:39
 
 
 

Um assassino que discute as diferenças culturais entre Estados Unidos e França a partir do nome de um sanduíche, no caminho para uma missão. Outro que sempre cita uma passagem bíblica de Ezequiel antes de matar alguém. Sem falar nos dois dedos abertos passando pelos olhos de John Travolta durante um concurso de twist, numa lanchonete temática dedicada a celebridades dos anos 1950.

Essas são três das muitas cenas icônicas de “Pulp Fiction: Tempo de Violência”, filme de Quentin Tarantino que está completando três décadas. A consagração veio logo no lançamento, em 21 de maio de 1994, no Festival de Cannes, quando ganhou a Palma de Ouro. No Oscar, levou para casa a estatueta de Melhor Roteiro Original. Mas a importância do longa vai muito além dos prêmios. 

Após alcançar mais de US$ 200 milhões nas bilheterias, após um investimento de apenas US$ 8 milhões, “Pulp Fiction” impactou a indústria do cinema norte-americano, com vários estúdios abrindo subsidiárias dedicadas a produções independentes de baixo orçamento. Muitas tentaram imitar o estilo que mistura violência, humor e referências a filmes B e de outras cinematografias.

“Fiquei impactado quando vi o filme pela primeira vez. Era muito jovem e me lembro de pensar que tinha certa originalidade para mostrar, de forma nua e crua, a violência sob vários aspectos, além de uma trilha sonora que insistia em não sair da minha cabeça. Depois de 30 anos, já revi mais vezes e, sempre que assisto, me mostra algo novo”, registra Raphael Camacho, analista de programação audiovisual.

A razão para “Pulp Fiction” ter se tornado um êxito de crítica e público, de acordo com Camacho, é o fato de ter conseguido, por um cineasta cinéfilo, “reunir num liquidificador criativo elementos estéticos, musicais e narrativos com inúmeras referências daquilo que influenciou a vida dele”. Para ele, é “um filme de um fã feito para outros que têm a mesma paixão”.

Entre as referências está, por exemplo, no caso da citação bíblica do personagem Jules, vivido por Samuel L. Jackson, o japonês “The Bodyguard” (1973), de Ryuichi Takamori. Tarantino pegou palavra por palavra o diálogo de um guarda-costas personificado por Sonny Chiba, exibido na abertura, que, na verdade, traz uma versão própria para a passagem de Ezequiel 25:17.

Embora Tarantino já tivesse chamado a atenção em sua estreia na direção, com “Cães de Aluguel” (1992), “Pulp Fiction” se tornou o cartão de visitas dele, na avaliação de Tullio Dias, cofundador do site Cinema de Buteco. “É um marco da cultura pop. Ele criou um estilo de contar histórias – especialmente as violentas – que se tornou referência para muitos artistas que surgiram dos anos de 1990 e 2000 em diante”, observa.

Ao contar a história de um assassino se envolvendo com a mulher do chefe, Tarantino não só resgatou John Travolta do ostracismo, como pediu emprestado um formato narrativo à nouvelle vague, movimento francês apresentado na década de 1960. Dias lembra que esse aspecto foi o que mais o intrigou ao ver o filme pela primeira vez. “Um formato com vários blocos de histórias e como elas se conectam depois”.

Narrativa não linear é um dos diferenciais

A trama costura três histórias diferentes, começando por um casal (vivido por Amanda Peet e Tim Roth) que assalta um restaurante. A cena é interrompida para a subida dos créditos de abertura, ao som de “Misirlou” em versão instrumental, música que ficou profundamente ligada ao filme. Em seguida, vemos dois assassinos num carro, falando sobre o nome do Quarteirão de Queijo, do McDonald’s, na França.

Há ainda a história do boxeador interpretado por Bruce Willis, que aceita perder a luta e muda de ideia no ringue, passando a ser perseguido por Marsellus (Ving Rhames), o “capo” para quem os personagens de Travolta e Jackson trabalham. Willis e Rhames protagonizam outra sequência emblemática, quando ambos, após brigarem muito, vão parar numa loja de penhores, em que o dono os prende e passa a sodomizá-los.

Tudo é contado de forma entrecortada, com personagens esbarrando nas histórias dos outros. Ao final, após tantas situações inusitadas, voltamos ao restaurante, já com Jules fazendo parte da cena. Mais discursos filosóficos do assassino, e o filme se fecha magistralmente com “Surf Rider”, do The Lively Ones. A sensação de ter visto algo fora do comum até hoje toma conta das pessoas.

Travolta só descobriu a potência depois de o filme ter ficado em cartaz por um longo tempo. “Hoje em dia isso não seria possível. Um dos motivos é que a maioria dos programadores de cinema não assiste a tantos filmes, não são cinéfilos. O que leva a uma falta de sensibilidade e conhecimento para encaixar os filmes em horários que podem render mais”, lamenta Raphael Camacho.

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