Já classificado como um “iconoclasta ou maldito” pelo curador Ricardo Resende e descrito informalmente como “Basquiat brasileiro” por Milu Vilela, Pedro Moraleida, falecido precocemente aos 22 anos, em 1999, deixou um acervo que impressiona tanto pelo volume e diversidade de formas, técnicas e suportes utilizados, quanto por suas características, em forma e conteúdo, que alcançam temas contemporâneos com originalidade e consistência. 

Agora, parte dessas obras será apresentada, algumas pela primeira vez, na exposição “Moraleida, contemporâneo…”, que, inaugurada nesta quarta-feira (28), dá o pontapé inicial para uma série de atividades que integra a programação que lembra os 25 anos da morte do artista, marcando também a abertura da sede, na Savassi, do Instituto Pedro Moraleida Bernardes (iPMB).

Pai do artista, Luiz Bernardes ressalta que, quando surge, ou melhor, se insurge na cena das artes visuais de Belo Horizonte, nos anos de 1990, o artista ousa se opor aos modismos de então e seguir na contramão das tendências da época.

Luiz Bernardes, pai do artista Pedro Moraleida Bernardes, durante montagem da mostra que abre instituto dedicado à memória e legado do filho | Crédito: Flávio Tavares/O Tempo
Luiz Bernardes, pai do artista Pedro Moraleida Bernardes, durante montagem da mostra que abre instituto dedicado à memória e legado do filho | Crédito: Flávio Tavares/O Tempo

“Em uma época em que se falava que a pintura havia ‘morrido’ e a moda era a arte performática e conceitual, em uma época em que o valor artístico estava na indiferença ao mundo, no exercício da técnica pela técnica, ele decide pintar. E pintar justamente sobre os dilemas e conflitos humanos e sociais”, orgulha-se, sempre recorrendo a citações em críticos e curadores experientes, como a museóloga Maria Inês Coutinho, uma das primeiras a fazer tais apontamentos, ainda em 2002, na abertura da exposição póstuma do artista, “A Confissão de Um Artista Plástica Enquanto Jovem Diante do Século XXI e Tudo o Mais”, apresentada no Palácio das Artes.

Leia também: Contemporaneidade de Pedro Moraleida, morto há 25 anos, é evocada nas reações que sua obra suscita

No total, Pedro Moraleida legou impressionantes 450 pinturas, que usam técnicas mistas, como óleo, acrílica, guache, grafite, lápis de cor e colagens sobre variados suportes, como papel, madeira, tecido, tela e metal além de 1.450 desenhos, incluindo quadrinhos e cartoons, alguns feitos sobre radiografias. Entre poesias, manifestos, contos, parábolas e reflexões filosóficas, Moraleida deixou mais de 450 obras textuais – e é interessante sublinhar que o texto é também um recurso presente em seus trabalhos visuais. Por fim, foram catalogadas pela família e amigos, nada menos que 120 experimentações sonoras.

Trabalho de muitas mãos

A catalogação de todo material deixado por Pedro Moraleida Bernardes demandou esforços coletivos e se iniciou logo após a morte do artista, há cerca de 25 anos. “Depois do seu falecimento, entendendo que não tínhamos isenção afetiva para avaliar a qualidade de suas obras, reunimos amigos e colegas dele e pedimos ajuda, porque queríamos, naturalmente, preservar a sua memória”, lembra Luiz Bernardes, certamente um dos mais modestos e maiores conhecedores do trabalho de seu filho, a ponto de citar, sem recorrer a nenhuma cola, as diversas menções que críticos e especialistas dispensaram a obras já apresentadas em diversas exposições. No início, contudo, a família estava incerta do que deveria ser apresentado. “A única coisa que pedimos foi que o nome dele não fosse exposto ao ridículo”, menciona, ao que Gastão Frota, que foi professor do artista na UFMG, reagiu: “Ele é o melhor entre todos nós”.

Pintura da série Vasos Intercomunicantes | Crédito: iPMB/Divulgação
Pintura da série Vasos Intercomunicantes | Crédito: iPMB/Divulgação

A partir de então, deu-se início ao projeto “Caminhando no Lado Selvagem”, aprovado na Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, um trabalho que exigiu uma curadoria multidisciplinar, reunindo pesquisadores da pintura, do desenho, da literatura e dos sons. “Foi um esforço de cooperação intergeracional, com um núcleo central de cerca de 12 pessoas, além de outros aproximadamente 60 colaboradoras”, comenta Bernardes, citando nomes como Marcos Hill, Cinthia Marcelle, Pedro Bozzolla, Emílio Maciel, Sara Ramo, Vera Casanova, Wilson Avelar, Marilá Dardo e o já mencionado Gastão Frota.

Circulação nacional e internacional 

A sistematização do acervo, desde antes ainda da fundação do Instituto Pedro Moraleida Bernardes (iPMB), em 2018, resultou na inserção do trabalho do artista em 28 exposições, coletivas ou individuais, sendo a maioria realizada em Belo Horizonte, mas chegando também a cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, expandindo-se também para além das fronteiras nacionais, com exibições em Oslo, na Noruega, Paris, na França, Montreal, no Canadá, e Berlim, na Alemanha.

No encerramento de uma dessas exposições internacionais, ele foi destacado nominalmente pelo curador islandês Gunnar Kavaran, sendo tratado como uma das revelações do evento. Em outra, foi lembrado pelo curador suíço Hans Obrist como um autor de um “trabalho extraordinário”, que precisava ser “mais mostrado, mais visto e estudado”. Já na 11ª Bienal de Berlim, em 2020, foi apresentado como “um artista cujo legado ocupa um lugar integral entre as maiores produções artísticas do mundo no final do século passado”.