Vittorio Medioli

Vittorio Medioli

Empresário e político de origem italiana e naturalizado brasileiro, Vittorio Medioli está em seu segundo mandato como Prefeito de Betim. É presidente do Grupo SADA, conglomerado que possui mais de 30 empresas que atuam em diversos segmentos da economia, como logística, indústria, comércio, geração de energia e biocombustíveis, além de silvicultura, esporte e terceiro setor. É graduado em Direito e Filosofia pela Universidade de Milão. Em sua coluna aborda temas diversos como economia, política, meio ambiente, filosofia e assuntos gerais.

150 da imigração italiana

Oriundi

As marcas da civilização italiana, trazidas pelos imigrantes, se espalharam por todo o território, na cultura, indústria, agricultura, culinária, moda e muitas outras

Por Vittorio Medioli
Publicado em 21 de fevereiro de 2024 | 03:00
 
 
 
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O Brasil é o maior exemplo de imigração dos últimos séculos. Aqui se mesclou uma centena de etnias pelos mais variados motivos. A partir do momento em que um ser humano deixa por vontade própria sua terra natal para morar em outro país, torna-se imigrante.Atrás de cada um deles, existe uma história de sofrimentos, sonhos, esperanças e muita saudade.

 

Alguns foram arrancados pelas raízes, como mudas de plantas, para serem transplantados aqui. Outros vieram de forma mais “civilizada”, menos cruel do que aquela a que foram submetidos os que sofreram nos porões de navios negreiros. Mas ninguém muda sem uma pressão externa ou íntima; quem vive bem em sua terra natal, via de regra, não tem motivos para se mudar.

 

O Brasil, pelo seu tamanho continental e fartura, recebeu várias ondas de imigrantes, atraídos pelas necessidades e por muitas oportunidades.

 

Nos últimos anos, chegaram multidões de refugiados dos países limítrofes, não por falta de terras e potencial em volta do Brasil, mas por desajustes sociais decorrentes de fracassos políticos que provocaram crises humanitárias. O Brasil não tem uma cultura milenar, mas abriga partes daquelas que aqui aproaram, provenientes da Europa e da Ásia.

 

Entre elas, nesses dias comemoram-se 150 anos de imigração italiana. O continente americano deve seu descobrimento, em 1492, a um italiano, Cristoforo Colombo, um gênio da navegação que fez sucesso na corte espanhola, fora da sua terra, Gênova. Assim, um imigrante italiano na Espanha, à procura do caminho das Índias, pisou nas praias da pequena ilha caribenha, por isso chamada por ele de “San Salvador”, em 12 de outubro de 1492. Entretanto, coube a outro excepcional italiano, Amerigo Vespucci, por volta de 1499, demonstrar que as terras descobertas não eram as Índias Ocidentais, não representavam regiões do leste da Ásia, como inicialmente acreditou Colombo, mas uma imensa massa de terras totalmente separadas entre Europa e Ásia, até então nunca sonhadas. Esse Novo Mundo, esse supercontinente, passou a ser chamado de “América” em homenagem a Amerigo Vespucci.

 

Contudo, passaram-se cerca de quatro séculos para que a presença italiana se fizesse relevante no novo continente e aqui, no Brasil. Isso aconteceu quando a Itália ficou pequena para tantos agricultores em litígio entre si e com os grandes proprietários agrícolas. A necessidade de encontrar novas fronteiras se casou, na segunda parte do século XIX, com a necessidade de povoar as férteis terras do Rio Grande do Sul, ameaçadas de invasão uruguaia e argentina.

 

Na Serra Gaúcha foram transplantadas milhares de famílias italianas, ditas na Itália de “oriundi”, provenientes dos territórios que apresentavam mais pressão dos movimentos de sem-terra, como da região vêneta, de parte da Toscana e do sul da Itália, em especial da Calabria e da Campania.

 

O transplante se deu com sucesso, resolvendo o problema italiano e, ainda mais, o brasileiro. Esses imigrantes trouxeram a cultura camponesa italiana, dos artesanatos, da organização social das pequenas aldeias com a solidariedade social e a religiosidade.

 

Também várias ondas de imigrantes chegaram a São Paulo, Santa Catarina, Paraná, trazendo pessoas sensacionais, como Francesco Matarazzo, aquele que implantou no começo do século XX as maiores indústrias metalúrgicas, navais, alimentícias, têxteis e outras. Estive no vilarejo de Castallabate, província de Salerno, para entender melhor essa lenda do italiano, que me inspirou quando aqui cheguei. Lá encontrei de sobra as razões da migração. Um cacho de casinhas coladas num penhasco, voltadas para o mar Tirreno. Terras de baixa fertilidade, onde apenas figueiras se adaptam ao clima seco e à salmoura levada pelos ventos.

 

O que poderia ter realizado naquele ambiente de árida miséria, mesmo com toda a sua perspicácia e inteligência, Francesco Matarazzo? Talvez nem uma milésima parte do que fez aqui, deixando a seus herdeiros, em 1937, mais de 350 indústrias, frotas de navios, um império que o levou a ser considerado dono da quinta maior fortuna econômica do planeta. Mais do que isso, ele trouxe inovação, tecnologia, exemplos, coragem para transformar em oportunidade e riquezas o potencial, ainda adormecido, do gigante brasileiro.

 

Em escala menor se contam centenas de casos parecidos com o daquele do moço que aqui chegou de Castellabate, para se tornar uma lenda, vivendo todas as etapas próprias do imigrante. Sofrimentos, necessidades, pressões, dores da partida e uma explosão de vontade e dedicação para passar por tudo e não ter medo de ser grande.

 

As marcas da civilização italiana, trazidas pelos imigrantes, se espalharam por todo o território, na cultura, indústria, agricultura, culinária, moda e muitas outras. A presença italiana se ensinou, se mesclou sem traumas, pacificamente, como duas correntes que têm tudo a somar uma à outra. E a essa corrente sinto que me rendi com imenso prazer e gratidão.

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