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Foto: (Adoção tardia: preferências e preconceitos alongam fila de espera no Brasil / Reprodução)

Mais da metade dos que querem adotar busca menores de 3 anos, só que menos de 15% delas estão nessa faixa etária

Adoção tardia: preferências e preconceitos alongam fila de espera no Brasil

Por Maria Irenilda e Queila Ariadne Publicado em 12 de outubro de 2023 | 09h00

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Vilma Regina Gomes, 55, já era mãe de dois filhos adultos quando se casou novamente. Em 2014, ela e o marido resolveram adotar duas crianças. Na hora de preencher a papelada, escolheram a faixa etária de até 3 anos e indicaram que pelo menos uma deveria ser menina.

 

Eles não sabiam, mas acabavam de entrar para uma fila de mais de 35 mil pessoas cadastradas para adoção no Brasil, que, em sua maioria, têm as mesmas preferências. 

 

Hoje, existem 4.470 crianças e adolescentes disponíveis no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. Isso significa que, para cada um deles, são cerca de oito pretendentes. Mas, se tem muito mais gente querendo adotar, por que essas crianças ainda estão esperando por uma família?

 

Uma das explicações, segundo a especialista em direito da criança Isabely Fontana da Mota, está diretamente relacionada às preferências. “Quando a pessoa vem ao Judiciário querer adotar nesse perfil de bebezinhos, crianças de até 2 a 3 anos, vai ter um período longo de espera.

 


 

Enquanto isso, temos mais de 2.500 crianças mais velhas, acima de 8 anos, ou com problemas de saúde, que não conseguem ser adotadas”, destaca Isabely, que também é pesquisadora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

 

Os números revelam uma contradição. Mais da metade dos pretendentes à adoção busca crianças menores (de no máximo 4 anos). Só que menos de 15% delas se enquadram nessa faixa etária. Por isso, a partir de 3 anos, a Justiça já considera a adoção como tardia.

 

Entretanto, não há consenso sobre o termo. “Esse foi o primeiro conceito, mas, na prática, crianças de até 6, às vezes, até 8 anos, têm conseguido a adoção pelo sistema”, explica Isabely.

 

É a partir dos 10 anos que o cenário começa a se inverter. O número de crianças disponíveis passa a ser três vezes maior do que o dos pretendentes. De acordo com Isabely, essa queda brusca de interesse é reflexo de preconceitos sociais.

 

“Ainda existem alguns mitos de que, quando a criança é maior, não é possível mais mudar, de que já tem seus hábitos e não é possível desenvolver o afeto, quando a gente sabe que isso tudo é falso, porque o afeto pode ser desenvolvido em qualquer fase da vida”, comenta a pesquisadora.

A Justiça já tinha autorizado que Danilo, Daniela e Patrícia fossem adotados separadamente quando Vilma e Tiago Rafael decidiram adotar os três irmãos

Busca Ativa

 

Para tentar mudar esse panorama, em parceria com grupos de apoio à adoção em todo o país, o CNJ tem investido em ferramentas de busca ativa. A ideia é viabilizar o encontro entre pretendentes habilitados e as crianças aptas à adoção que já esgotaram todas as possibilidades de buscas nacionais e internacionais de famílias compatíveis com seu perfil no Sistema Nacional de Adoção (SNA). Atualmente, 970 meninos e meninas estão nessa lista.

 

“Normalmente são crianças acima de 8 anos, grupo de irmãos ou crianças com doenças e deficiências. Existem vários programas. Alguns são abertos, e qualquer pessoa do Brasil pode entrar e ver as fotos e vídeos das crianças”, explica a especialista. A consulta pode ser feita no site do CNJ.

 

Foi pela busca ativa que Vilma e o marido encontraram os filhos. Logo que iniciaram o processo de habilitação, passaram a frequentar um grupo de apoio à adoção, em Belo Horizonte. No espaço eles entenderam o real significado da adoção e, inclusive, deixaram para trás o critério inicial de menores de 3 anos. “Vimos que realmente uma criança maiorzinha era nossa necessidade. Então o nosso perfil passou a ser de duas crianças de até 5 anos”, lembra a mãe. 

 

E as mudanças de planos não pararam por aí. “Pegamos uma busca ativa para duas crianças. Uma menina de 3 e um menino de 5. Depois, ficamos sabendo que tinha outra irmã, de 7 anos. O juiz tinha autorizado a separá-los porque já estavam há muito tempo para adoção. Aí falamos: vamos ficar com os três”, conta. E foi assim que Patrícia, Danilo e Daniela se juntaram à família. Isso aconteceu em 2015.

 

Entrega legal

 

A lei 13.509/2017, chamada de “Lei da Adoção”, permite a gestantes entregar o filho recém-nascido para adoção – o processo é assistido pela Justiça. De acordo com o juiz da Vara Cível da Infância e da Juventude de BH, José Honório de Rezende, boa parte dos casos é fruto de abuso sexual. “A lei foi positiva, pois acolheu a mulher de forma humanizada, reduzindo a estigmatização na sociedade. Em BH, temos, em média, quatro entregas por mês”.